Do enriquecimento ilícito do Estado de Mato Grosso

A legitimação de posses e regularização fundiária são as formas legítimas de adquirir a propriedade de um imóvel em nosso país. Um título de propriedade só é valido se tiver em sua origem o destaque de uma área da União, do Estado ou dos Municípios. Cabe ao órgão público arrecadar o imóvel e depois destiná-lo ao particular de acordo com a modalidade aplicada.

No caso de Mato Grosso a grande maioria das regularizações das terras devolutas estaduais não são fruto de ações discriminatórias do Estado ou de notificação daqueles que exercem posse agrária sobre as mesmas, na verdade, aqui o próprio ocupante é quem procura o Estado para regularizar suas posses e lotes.

Aparentemente esse sistema é simples e funcionaria bem se não tivéssemos um cadastro fundiário tão caótico. A confusão se inicia nas sesmarias e vem até a data de hoje. Durante os vários anos houve uma série de choques de competência e não havia uma base cartográfica única, assim vários órgão, autarquias e colonizadoras, regularizavam a mesma região ao longo do tempo, resultando numa sobreposição de títulos e uma confusão sem fim.

Para se ter uma ideia os órgão de terra, como DTC (depois Intermat) IBRA (depois INCRA), Codemat, Funai, entre outras não possuíam uma base cartográfica única e nem trocavam informações entre si, redundando numa base caótica e cheia de sobreposições e vários andares de títulos. Para piorar nós tínhamos as arrecadações efetuadas em grande parte nos fins de governos que geralmente eram utilizadas para atender os amigos do rei.

O resultado disso tudo é que no Mato grosso há mais títulos de propriedade do que área no Estado. E tudo isso era apenas uma das nossas particularidades até que surgiu a lei 10.267/01 (Lei do Georreferenciamento) que passou a exigir do Estado a Certidão de Legitimidade de Origem para as certificações. Aí o caos se instalou, pois o Intermat passou a emitir certidões escancarando essas sobreposições de títulos emitidos por ele mesmo a vários interessados. Chegamos ao caso de ter um cliente que teve sete títulos sobrepondo a apenas um imóvel de 750 ha. Um absurdo.

Embora na maioria das vezes a solução para esses casos seja a adoção de uma ação de usucapião, para regularizar os anos de posse sobre a área do imóvel, algumas vezes a posse do cliente recai em parte expressiva em uma área devoluta do Estado. Isso mesmo, embora o mesmo tenha adquirido uma área do Estado de Mato grosso e pago o valor da pauta da época da processo de regularização, pela confusão das bases e falta de controle do Estado outros títulos foram concedidos anteriormente ao seu e parte nem aparece na base cartográfica do Estado, aparecendo como devoluta.

Evidentemente os agentes públicos que foram responsáveis pela emissão dos títulos sobrepostos e que não tiveram o zelo de organizar as bases e dar a segurança jurídica e eficiência esperada a um cidadão que de boa-fé se dirigiu ao órgão para regularizar o seu imóvel cometeram no mínimo um crime, pois venderam o mesmo imóvel a duas ou mais pessoas. Todavia, esses crimes na sua grande maioria já estão prescritos, mas a responsabilidade objetiva do Estado de Mato Grosso não. Somente ao receber uma certidão de legitimidade de Origem é que o cidadão toma conhecimento de que foi enganado e aí inicia-se o prazo prescricional.

Nasce também aí o direito a ser ressarcido pelo Estado de todas os danos morais e materiais advindos dessa conduta ilícita, e principalmente o direito de não ser cobrado pelo Estado da área que incide em terras devolutas. O Estado tem a obrigação de efetuar a compensação dessas áreas não podendo efetuar a cobrança de nenhum valor desse cidadão.

É inadmissível que mesmo após ter recebido um título de propriedade com nulidades do Estado de Mato Grosso, seja compelido a efetuar um segundo pagamento para obter o seu título de propriedade almejado.

Não se trata apenas de uma ilegalidade, mas também de uma imoralidade que se mantida, acarretará um enriquecimento ilícito por parte do Estado. Agora se cada cidadão que obtiver uma certidão do Intermat dizendo que há sobreposição de outros títulos em sua propriedade acioná-lo na justiça, tenho a certeza que essas coisas não voltarão a acontecer, pois num mundo onde o que importa é o interesse econômico, somente após sentir no bolso o peso pela sua desídia e má-fé é que o Estado tratará com mais respeito o cidadão.

O escritório Hudson Cesar Melo Faria Sociedade Individual de advocacia, fundado no ano de 2001 e desde o início teve em seu DNA o direito agrário e o agronegócio.

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