Nesse último mês tivemos um debate intenso no Congresso e nos meios jurídicos sobre a aprovação ou não da MP/910 que tratava especificamente da regularização fundiária das terras públicas federais. Nós sabemos que no Mato Grosso há um remanescente de mais de três milhões de hectares de terras públicas federais distribuídos em 152 imóveis espalhados por 58 municípios. Na região norte do estado estão concentradas as maiores dessas glebas, no caso a Gleba Nhandu e a Gleba Iriri, entre outras.
Há uma divergência muito grande entre os ambientalistas e partidos de esquerda e os representantes dos Produtores Rurais, ocupantes dessas terras, e os partidos de centro/direita. O primeiro grupo chamava a lei de MP da grilagem e do desmatamento, afirmando que caso fosse aprovada o caos se estabeleceria nessas regiões e aumentaria o desmatamento. Já o segundo grupo entendia que essa lei iria trazer justiça aos ocupantes históricos dessas terras que hoje estão a margem do processo produtivo, e que foram incentivados a ocupar essa região pela própria União na década de 70, e atualmente se encontram sem acesso às políticas de custeio e incentivo a agricultura por não terem o título de suas propriedades.
Todavia há um engano muito grande por parte daqueles que afirmam que a aprovação da MP/910 comprometeria o cumprimento das metas climáticas brasileiras, e que iria causar um aumento do desmatamento ilegal. Na verdade, a preservação ambiental e as questões fundiárias, em especial a regularização, estão intrinsicamente ligadas.
É fácil compreender, basta observarmos que somente com uma clara definição dos direitos de propriedade é que se pode fiscalizar e punir os que comentem infrações ambientais. Isso porque, as obrigações impostas pelo Código Florestal só podem ser colocadas em prática com a identificação do titular legítimo da terra.
O modelo de posses atual, só favorece o desmatamento e deixa os ocupantes dessas terras a mercê de madeireiros inescrupulosos, pois sem a segurança jurídica de um título de propriedade, esses produtores são presas fáceis, por estarem a margem do processo produtivo, sem conseguir acessar os créditos e financiamento, que sabemos são imprescindíveis para a produção.
Nós sabemos que a regularização fundiária é requisito fundamental para a segurança jurídica, para o distensionamento do campo, através da redução de conflitos pela posse da terra, além de obviamente oportunizar a responsabilização ambiental pelo uso da terra em desacordo com as normas ambientais.
Infelizmente na atualidade os processos administrativos de regularização fundiária têm se arrastado por muitos anos e diante da complexidade das normas e da falta de estrutura física e de pessoal da Autarquia Federal responsável, não tem atingido o seu objetivo.
Obviamente a simplificação das normas e do processo, conforme proposto na MP/910 seriam um avanço importante nesse sentido, pois tornariam o processo mais célere, principalmente para os pequenos produtores, sem abrir mão da questão ambiental, pois os pretendentes a regularização teriam que regularizar a situação ambiental do seu imóvel para poder ser regularizado.
É impressionante como as questões ideológicas podem se sobrepor a razão e impedir o avanço em direção a um objetivo comum que é a paz no campo e o fim da terra sem lei e sem a presença do Estado que hoje existe. Dizer que a regularização favorecia a grilagem é uma falácia e só contribui para a manutenção do atraso e do desmatamento desenfreado.
Evidentemente há um longo caminho a ser percorrido para que os problemas fundiários no Brasil sejam no mínimo mitigados. Mas é essencial que tratemos dessa questão urgentemente. Porque enquanto isso não se resolve estaremos continuando a enxugar gelo e a conviver com a violência no campo, o desmatamento ilegal e a ineficiência do uso da terra.
Chega desse discurso vazio e histérico de que flexibilizar a regularização fundiária é favorecer a grilagem e o desmatamento ilegal. Essa inércia do Estado, favorecido por essas disputas ideológicas é que tem nos mantido no atraso e com as mazelas de sempre.
Advogado Hudson Cesar Melo Faria O escritório Hudson Cesar Melo Faria Sociedade Individual de advocacia, fundado no ano de 2001 e desde o início teve em seu DNA o direito agrário e o Agronegócio.